domingo, 12 de agosto de 2012

ARAGUAIA


Num dia branco, dia comum de faxina, Vítor deparou, sem querer, a mensagem de Telma. O autor do texto datilografado, com as letras G e R sempre maiúsculas, era Conrado, mas vinha, ele sabia, da irmã de Maria Lúcia. Calou-se. Percebia, porém, a mulher cada vez mais angustiada. Não devia soltar-se dela?  Tinha o direito de, para não perdê-la, prendê-la?

O temido bilhete, certo dia, na porta do quarto. Fitou-o, lágrimas caindo. Então foi ver Araguaia, travessa e linda, no berço.

— Filha, requeri e enfim recebi do governo uma indenização, após o reconhecimento oficial de sua mãe como desaparecida política. Este cheque lhe pertence.

— Pai, entregue isso à Anistia Internacional.

Por um instante, Vítor vislumbrou Maria Lúcia. As mesmas feições. Os mesmo gestos. Os mesmos atos. Abraçaram-se, Araguaia no seu colo, que nem nos árduos e brejeiros tempos de menina.

Pouco depois, caminhando pelas margens do Poti, ladeado por shoppings e espigões, ela parou e fixou-se no próprio nome. Araguaia. Araguaia. Araguaia. Mirou o rio de sua aldeia, belo porque o rio de sua aldeia. Pensou no pai. Pensou na mãe. Sim, o amor existia!

— Moça...

Assustou-se.

— Uma esmola, por Deus...

Deu um dinheiro ao mendigo e pôs-se a refletir, à visão daquele ser esfarrapado, que as injustiças permaneciam intactas. Mas ela se chamava Araguaia. E seu nome, como lhe dizia o pai, seu nome, filha, seu nome é uma pintura rupestre gravada na carne e no sangue da truculenta história deste país.


*Conto publicado originalmente em Revista Pulsar, Teresina – PI, ano 1, no. 1, mar/jun, 1998, p. 10-11.

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