Num dia branco, dia
comum de faxina, Vítor deparou, sem querer, a mensagem de Telma. O autor do
texto datilografado, com as letras G e R sempre maiúsculas, era Conrado, mas
vinha, ele sabia, da irmã de Maria Lúcia. Calou-se. Percebia, porém, a mulher
cada vez mais angustiada. Não devia soltar-se dela? Tinha o direito de, para não perdê-la,
prendê-la?
O temido bilhete, certo
dia, na porta do quarto. Fitou-o, lágrimas caindo. Então foi ver Araguaia,
travessa e linda, no berço.
— Filha, requeri e enfim
recebi do governo uma indenização, após o reconhecimento oficial de sua mãe
como desaparecida política. Este cheque lhe pertence.
— Pai, entregue isso à
Anistia Internacional.
Por um instante, Vítor
vislumbrou Maria Lúcia. As mesmas feições. Os mesmo gestos. Os mesmos atos. Abraçaram-se,
Araguaia no seu colo, que nem nos árduos e brejeiros tempos de menina.
Pouco depois,
caminhando pelas margens do Poti, ladeado por shoppings e espigões, ela parou e
fixou-se no próprio nome. Araguaia. Araguaia. Araguaia. Mirou o rio de sua
aldeia, belo porque o rio de sua aldeia. Pensou no pai. Pensou na mãe. Sim, o
amor existia!
— Moça...
Assustou-se.
— Uma esmola, por
Deus...
Deu um dinheiro ao
mendigo e pôs-se a refletir, à visão daquele ser esfarrapado, que as injustiças
permaneciam intactas. Mas ela se chamava Araguaia. E seu nome, como lhe dizia o
pai, seu nome, filha, seu nome é uma pintura rupestre gravada na carne e no
sangue da truculenta história deste país.
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