sexta-feira, 27 de agosto de 2010

... AUTOMÓVEIS E AUTOMÓVEIS E AUTOMÓVEIS!

Para Regina Lúcia

Desde criança, nos idos de 1910 isso, aquela porta fechada a sete chaves, e a proibição, antiga: que nunca se tente nem sequer abri-la.
“Mistério, meu filho, o que há aí, por trás. E com mistério não se brinca.”
“Ninguém nunca tentou abrir ela, mãe?”
“Não, filho, nunca. Desde o tempo de seu tataravô. E assim deve continuar. Com mistério não se brinca.”
Agora estou muito velho para temer alguma coisa e nem a desculpa de que me faltava a sétima chave posso arguir, que há muito a possuo. Por que não girá-la de uma vez, mesmo assim tão trêmula a mão? Giro... Empurro-a... Um jato de luz me cega. Aos poucos, porém, vejo. Desço a escada em espiral. Atravesso, sob penumbra, o enorme corredor. Subo, cansadissimo, a escada em espiral. Às minhas costas, o Poti; à frente, muitos prédios, altos prédios, que em Teresina não há. Onde, meu Deus, onde eu estou?
“Sim, mãe, com mistério não se brinca.”
“Então se esqueça de vez dessa porta fechada, filho.”
Quando quis voltar, nada atrás de si, senão...

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A LEITORA

Foi intenso. Começou quando ele faz conjecturas acerca da cor dos seios e o efeito da luz fosca incidindo sobre eles. Na cena do beijo, meus lábios já se sentiram mordidos. Senti-me como ela, enredada numa teia de desejos e fantasias. Ondas de calor começaram a atravessar meu corpo, da cabeça aos pés. Incendiei-me. Nunca ficara tão excitada assim. Antes, apenas a música do Chico tinha essa força. Quando ele descreve o momento em que ela se mostra como veio ao mundo, a freqüência entre as contrações aumentou. Impressionante as semelhanças. A cor da pele, a expressão dos olhos, as ancas generosas denunciando o sangue negro, o tamanho dos seios, nem tanto, mas os meus também são morenos e suas extremidades ficaram enrugadas quando ele os toca levemente com a ponta da língua para depois envolvê-los por completo, como quem leva à boca uma manga-de-bico, e, em seguida, passa a degustá-los sem nenhuma pressa.
Mas nada se compara com o momento em que, com as pontas dos dedos, com as mãos e com os olhos, ele troteia ao longo do corpo nu e estendido.
Quando me toquei, percebi que estava molhada, mais que isso, um rio que descia lentamente azeitava minhas pernas.
E quando finalmente veio a cena da espada de fogo e de como ela rasga aquele ventre, a minha vontade foi a de entregar-me incondicionalmente. De ser golpeada. De ser aquela personagem.