terça-feira, 16 de dezembro de 2014

LÁPIDE

Não foi por dívidas. Sempre mantive as contas em dia, sem deixar de poupar algum. Pra viúva, deixo uma generosa pensão. Quanto aos filhos, sempre disse que pai é pai, mãe é mãe e filho é ingrato, mesmo assim, serão destinatários de uma bela quantia em imóveis e aplicações financeiras. Disso, não haverão de se queixar.

Não foi por doença. Sempre frequentei regularmente os médicos, inclusive o urologista, que minha próstata não me deixa mentir. O último ultrassom revelou dimensões levemente aumentadas, mas com contornos regulares e textura parenquimatosa preservada, tudo a demonstrar um resultado compatível com hiperplasia benigna.

Não foi por falta de amor. Sempre fui muito amado. Tanto e por tantas que muitas vezes tive a firme convicção de que não era merecedor. Receio que não tenha devolvido com a mesma intensidade.

Levo comigo uma antiga frustração. A de não ter tido habilidade suficiente para construir grandes amizades, apesar dos esforços. Como no poema, tive poucos, raros amigos. Algumas delas não resistiram ao tempo. Outras sucumbiram diante de circunstâncias que a mim pareceram desprezíveis, sinal de que não eram tão sólidas assim, tanto que se desfizeram em grãos de areia.

Não desperdicem tempo com quebra-cabeças. Não há um motivo aparente. Nem chorem por mim, que detesto pantomimas.
Ao contrário de Borges, nunca soube qual seria meu destino, o que não significa dizer que nunca o persegui.
Antes, precisava encontrar a mim mesmo. Pressuposto essencial.
Foi onde falhei.
Aconteceu que me cansei.
Simples assim.