quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Angústia heideggeriana

é (o) ser jogado no mundo
sozinho
no abismo entre o que ainda não é [mas que será]
e o que não é mais [porque já passou]
é nele [gargalho estreito, instante fugidio] que, bem ou mal, nos movemos

e nos equilibramos

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

AGUILHÃO RIMBAUDIANO

Sonhava que era um temível caçador de tigres quando o telefone tocou. Era ela dizendo que acordara daquele jeito: apaixonada, mas logo que surgissem os primeiros fios de sol voltaria a odiá-lo. Antes de dizer palavra, a ligação foi bruscamente interrompida. Enquanto escovava os dentes e conferia o tom cinza que avançava rapidamente, refletiu e chegou à conclusão de que o mundo se divide entre dois tipos de mulheres: as que odeiam à noite e as que amanhecem mais apaixonadas do que nunca. Ou seria o contrário?
Com o ar de enfado, afastou os pensamentos vãos e desabafou: melhor e mais simples seria que a escolha pudesse ser feita entre as que usam máquina zero ou cultivam uma mata atlântica. Ou entre as que oscilam entre as montanhas gerais e um bolero de Ravel no final de uma tarde na praia, ali onde estamos mais perto de nossos ancestrais. Eu sou um pouco de cada uma e todas que existem dentro de mim te amam, mas isso só aumenta o ódio que sinto por isso, diria ela.
Constatou então que o mundo também se divide em dois tipos de homens: o primeiro é formado por aqueles que se internam num hospício, no segundo estão os que entram para um mosteiro de uma ordem religiosa qualquer e, por acaso, descobrem a fórmula do queijo gorgonzola.
Contudo, resolveu que não seria vítima dos mesmos dualismos metafísicos. Haveria de ter um terceiro tipo. Lembrou-se do sonho e foi picado pelo aguilhão rimbaudiano. Tomou uma decisão. Iria desfazer-se de tudo e partiria numa viagem sem volta, que duraria mil e uma noites, até o sul da África onde, jogado no meio das savanas e armado até os dentes, viveria borgianamente a sonhar com tigres, punhais e labirintos.