sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
CONTETO DE NATAL
--- Acabou, José. Tou em outra.
--- Maior que a minha?
--- Melhor.
--- Por acaso o babaca suga o vinho espalhado aos poucos ao redor da sua xota?
--- Isso e muito mais.
--- Juliana, você me mata.
--- Ano novo, vida nova.
--- E eu, o deus de sempre?
--- Agora ele, o João. Adeus.
--- Juliana, eu...
--- Espera aí, cara, ela é sua ex-mulher, não?
--- Ex uma porra, seu...
Aí um corpo estendido, não mexam no presepinho ensanguentado, deixem essa árvore toda quebrada quieta, fotografem tudo, alguém por favor diga à merda desse vizinho para parar de repetir esse troço, Noite feliz,
Noite feliz,
Pobrezinho...
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
EM ARANJUEZ COM MI AMOR
Enquanto o trompete agoniza, entrecortado pelo dedilhar suave sobre a harpa, lembro também de como, aproveitando uma pequena trégua, tentei penetrar aqueles olhos, mas os cabelos, desalinhados pelo vento, debatiam-se por sobre o rosto, tirando-me a visão das amêndoas negras. Se os visse, se os penetrasse fundo, imaginei, talvez a demovesse da idéia, como naquele final de tarde em que, ao fim, embeberam-se uns nos outros, brilharam-se uns pros outros e juraram-se uns aos outros.
Queria uma última chance. Julgava que tinha me esforçado. Tanto que, no prelúdio, os dedos ainda se tocaram, embora sem a harmonia de antes. Mas logo percebi que seria impossível reproduzir o monólogo das mãos.
E nada foi mais doloroso do que o movimento final, anunciado pelas notas graves e marcadas do violoncelo. Quando, de repente, se ergueu e selou-me o rosto com um beijo. Meus olhos cerraram-se, repeliram qualquer movimento na tentativa de reabri-los. O receio era o de perceber o óbvio. E sumiu lentamente na poeira arrastada pelo vento - que também abria e fechava portas -, nas ondas tremulantes de calor. Ficou a sensação de uma miragem, nada além.
Nunca mais a vi. A não ser quando ouço concierto de aranjuez, como agora, na voz de Nana Mouskouri. Milles Davis que me perdoe com o seu adágio.
É noite de natal. Mais alguns instantes e os ponteiros estarão sobrepostos. O vizinho do lado ouve Noite Feliz. Que vinho ele bebe, não sei. A mulher corre pra cozinha. As crianças, em torno da árvore, aguardam com ansiedade a chegada do bom velhinho.
Pobres coitados. Pobre de mim.
Não sei qual dos mundos merece mais compaixão.
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Amantes
“Te perdôo porque choras
Quando eu choro de rir
Te perdôo
Por te trair”
Chico Buarque
Deitado, mãos com dedos entrelaçados sob a cabeça. Os olhos mirando a luminária, o teto. Sei lá. Acha que, em verdade, não mira nada, absorto, aposta, em reviver o que entre os dois, mais uma vez, aconteceu. Conferiu, no banheiro, o sabonete e o creme dental — já se habituara a com ela encontrar-se sem usar perfume algum, o que, não sabia ele, mais a excitava. Tudo em ordem. Quis deixar na boca o cheiro da porra de E., para que J., ao beijá-la, sentisse-o no palato. E assim fê-la. Vestiu-se ainda no banheiro. Repôs os anéis e o colar já no quarto. Ele quis levantar-se. Disse-lhe para continuar na cama; que preferia sair e ter como imagem ele deitado, nu.
Assim ficou. Ouviu o destrancar da porta, e, em seguida, sendo fechada. Levantou-se. Dirigiu-se ao banheiro. As mãos sobre a parede e a água a despejar-se sobejamente sobre o seu corpo. As lembranças levaram-no à ereção. Definitivamente, não se sentia, apesar do prazer que G. lhe proporcionava, feliz. O fato de G., após encontrarem-se, retornar ao marido o incomodava. Quantas vezes lhe pedira para abandoná-lo? Oh, pobre coitado.