sábado, 1 de maio de 2010

O DEPOIMENTO

Devia ter uma lei pro pobre, seu doutor. Eu botei os direitos dele na justiça não foi pra ficar rica e nem bonita. Foi pra ver se eu boto uma porta na minha casa que está aberta e pra ajudar minha filha se formar, que o que ele mais pediu antes de morrer foi que eu formasse nossa filha caçula. As outras duas tão em São Paulo e não podem voltar porque não tem dinheiro da passagem, ainda tão pagando empréstimo que fizeram para cuidar da doença do pai. Só aprendi a trabalhar de enxada. Eu não conheço um a, mas conheço o que é alheio. Não quero nada que não seja meu. O que o doutor tá oferecendo é muito pouco por tantos anos de trabalho. Ele trabalhou foi doze anos sem uma folga sequer. Há dois anos que eu devo no mercado e não posso pagar. Quero esse dinheiro que é meu para pagar minhas contas, ajeitar minha casa e ajudar minha filha nos estudos. Tenha piedade, seu doutor, que um dia o prefeito vai precisar do pobre. Vai chegar o dia em que ele vai bater tanto no meu ombro que ele vai doer. A doença dele era triste. Uma noite ele chegou para mim e disse mulher eu tou com um caroço no pescoço e não sei o que é. E foi alteando, alteando até ficar do tamanho de uma laranja. E duro, era mesmo que tá batendo numa pedra de tão duro que era. Um dia ele furou com a ponta de uma presilha e o caroço murchou, sumiu, não sem antes encher um copo de um líquido purulento. Não demorou muito e ele voltou, dessa vez no corpo todo. E o maior no mesmo lugar do pescoço. O derradeiro sangue que ele tinha ele botou pelo pescoço. Era um tumor que crescia pra fora e não pra dentro. Um dia o caroço estourou e ele virou uma flor arregaçada. E parecia um bife batido com um buraco preto no meio. Minha filha passou semanas sem comer carne. Tinha dia que ele ia pra cidade enrolado em lençóis e banhado de sangue. Quando ele morreu tava dessa finura.

3 comentários:

f.wilson disse...

J L , já está configurando uma marca estilística (que diga o mestre Airton Sampaio) essas suas histórias narradas por um "matuto".

CESAR CRUZ disse...

Que ficção forte! Linguagem regional, popular... excelente!
Parabéns, amigos!

Abç
Cesar

J.L. Rocha do Nascimento disse...

Valeu César Cruz!