quinta-feira, 1 de abril de 2010

O POLÍTICO

(uma homenagem ao dia da mentira)
Perfeitamente limpo, o político subiu (seguro e sorridente) ao palanque acompanhado de sua comitiva de honra, alguns sorrisos, abraços, confidências auriculares e felicitações. A banda de música há muito já se postara, ora atenta ora sonolenta, num cantinho, à espera da senha para animar o circo. O político acenou com um gesto bastante conhecido (e cultivado) para a multidão que compareceu em peso na praça pública. Ajeitou o nó da gravata. Um conselheiro recomendou-lhe algo, outro ajustou a altura do microfone. Ele tossiu à maneira tradicional de início dos discursos. Uma ilustre personalidade achou que o sorriso do político não condizia com a ocasião. Sugeriu a utilização de um outro, mais plástico e envolvente. Ele ensaiou rapidamente alguns do repertório e quando optou por um que tirou de dentro do balaio, recebeu como aprovação um tapinha nas costas. Alguém perguntou sobre o efeito do desodorante, ele levantou o polegar direito. Tudo pronto. Começou a falar. A platéia se posicionou atenta, pacientemente. Sua voz vibrou forte e impunemente pela amplificadora. Visivelmente emocionado, prometeu melhorias. Por fim, acabou prometendo (a longo prazo) doar sua alma, os cabelos do cu e até vender a própria sogra. O povo aplaudiu leal e confiante, como sempre fora, ciente de que ele era o homem certo. Não se conteve e quis quebrar o protocolo, mas seus assessores o detiveram dizendo que seria mais vantajoso resguardar-se em suas energias para ocasiões mais futurosas. Foguetes rasgaram o ar. Comida e bebida foram servidas com fartura. Homens honrados e devidamente polidos, antes nunca vistos numa multidão, circulavam distribuindo sorrisos e receitas de bolo. O comício ocorria dentro do esperado. Elogios e apoios recíprocos. Promessas, muitas promessas. Um sucesso. O povo de barriga cheia, e maravilhado com aquela retórica, dava vivas, mostra de que ele mexera com os ânimos. O político, rica oratória, exibiu mais um sorriso e com ele toda a brancura de seus dentes. O indicador rijo ferindo o ar não deixava dúvida. Era o cara. Durante horas seguidas o povo ouviu-o com uma calma e serenidade surpreendentes. E quando o político preparou-se para, mais uma vez, apregoar uma receita de garantia de renda mínima para a população, esse mesmo povo, numa decisão e lucidez sem precedentes, subiu ao palanque, envolveu-lhe de chofre, e tirou-lhe (sem a menor piedade) aquilo que tinha de mais sórdido e hipócrita: a vida.

4 comentários:

Airton Sampaio disse...

JL,eu gosto MUITO desse conto!

J.L. Rocha do Nascimento disse...

Airton, não sei se percebeu, fiz uma pequna revisão, sobretudo para adequá-lo no tempo e eliminar um certo viés de esquerda que na época de sua elaboração sim, mas hoje não faz mais nenhum sentido. Mas creio que a essência foi preservada de tal forma que acho que daqui a 1000 anos ele continurá atual no sentido de retratar a nossa história política.

Airton Sampaio disse...

Sim, JL, a mudança foi pra melhor, afinal arte não tem que ser de direita, nem de esquerda, nem de centro, nem do alto, nem de baixo, mas "apenas" humana. Abração!

Natália Cassiano disse...

Final improvável. Afinal o povo já estava de barriga cheia. De comida e de promessas.

Parabéns! Virei fã!