Devia ter uma lei pro pobre, seu doutor. Eu botei os direitos dele na justiça não foi pra ficar rica e nem bonita. Foi pra ver se eu boto uma porta na minha casa que está aberta e pra ajudar minha filha se formar, que o que ele mais pediu antes de morrer foi que eu formasse nossa filha caçula. As outras duas tão em São Paulo e não podem voltar porque não tem dinheiro da passagem, ainda tão pagando empréstimo que fizeram para cuidar da doença do pai. Só aprendi a trabalhar de enxada. Eu não conheço um a, mas conheço o que é alheio. Não quero nada que não seja meu. O que o doutor tá oferecendo é muito pouco por tantos anos de trabalho. Ele trabalhou foi doze anos sem uma folga sequer. Há dois anos que eu devo no mercado e não posso pagar. Quero esse dinheiro que é meu para pagar minhas contas, ajeitar minha casa e ajudar minha filha nos estudos. Tenha piedade, seu doutor, que um dia o prefeito vai precisar do pobre. Vai chegar o dia em que ele vai bater tanto no meu ombro que ele vai doer. A doença dele era triste. Uma noite ele chegou para mim e disse mulher eu tou com um caroço no pescoço e não sei o que é. E foi alteando, alteando até ficar do tamanho de uma laranja. E duro, era mesmo que tá batendo numa pedra de tão duro que era. Um dia ele furou com a ponta de uma presilha e o caroço murchou, sumiu, não sem antes encher um copo de um líquido purulento. Não demorou muito e ele voltou, dessa vez no corpo todo. E o maior no mesmo lugar do pescoço. O derradeiro sangue que ele tinha ele botou pelo pescoço. Era um tumor que crescia pra fora e não pra dentro. Um dia o caroço estourou e ele virou uma flor arregaçada. E parecia um bife batido com um buraco preto no meio. Minha filha passou semanas sem comer carne. Tinha dia que ele ia pra cidade enrolado em lençóis e banhado de sangue. Quando ele morreu tava dessa finura.
3 comentários:
J L , já está configurando uma marca estilística (que diga o mestre Airton Sampaio) essas suas histórias narradas por um "matuto".
Que ficção forte! Linguagem regional, popular... excelente!
Parabéns, amigos!
Abç
Cesar
Valeu César Cruz!
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