--- Padre, sou Benedita.
--- Que a atormenta, Benedita?
--- Me masturbo, todo santo dia, sob o chuveiro.
--- Ora, Benedita, justiça faça a seu nome e, a partir de agora, de tocar impuramente assim seu corpo deixe.
--- Padre, eu...
--- ?
--- Não gosto de homem, padre.
--- De homem você não gosta como mulher?
--- Não é meu querer, padre, eu juro, mas gosto mesmo é da Irana.
--- Filha, isso à boa ordem das coisas atenta.
--- Mas, padre, desde quando me dei por mim, eu já era assim.
--- Então, Benedita, de volta aos trilhos o descarrilado trem, o seu, reponha.
--- Não é, padre, uma opção minha não, isso.
--- Mas decidir não mais em pecado permanecer você pode, que o livre-arbítrio, para isso, você tem.
--- Mas, padre, eu...
--- Contra Forças Adversas que nem essas, moça, lute.
--- Tenho lutado, padre, mas, como uma alcoólatra, recaio.
--- Persevere.
--- Um Caos, padre, a minha vida.
--- Do Caos vem a Ordem, filha.
--- Por que não posso mesmo ser como sou, padre?
--- Porque é pecado, Benedita, mulher gostar de mulher e homem gostar de homem são perversões, elas ferem a lei de Deus.
--- Que faço, padre?
--- Agüente firme, filha, como eu.
--- Como o senhor?
--- Maneira de dizer...
--- Nem me masturbar posso, padre?
--- Poderia; o problema é que ninguém o consegue sem fantasia.
--- Então, padre, nem em imaginação eu e Irana...
--- Benedita, peca-se por Pensamentos, Atos e Omissões.
--- Ou seja, sempre.
--- Por isso sempre devemos fazer três coisas: rezar, rezar e rezar.
--- Rezar, padre?
--- Rezar, filha.
--- Padre, eu...
--- ?
--- Obrigada, padre.
--- De nada, filha. E nos trilhos o trem, descarrilado, reponha.
--- Quando volto, padre?
--- Cuidado, meu menino, cuidado, que não pode ser assim. Eu te aviso...
2 comentários:
Sempre me surpreendeu a linguagem asséptica da contística de Airton Sampaio. Nesta sua maneira singular de narrar pode-se perceber que a linguagem é quem estabelece o clímax na textura do conto. Personagens, narrador, espaços estão a mercês desta lapidação do frasal. A construção reduzida, ainda, traça um caminho para um desfecho imprevisível. O que menos importa em Airton Sampaio são as nuances da história, o enredo linear, pois tudo é construção sintática determinando uma nova forma/fórmula de contar. Em seu Antes da Hóstia posto aqui também dar para perceber a criação de regras que só Airton Sampaio consegue ditar no conto. Parabéns por este trabalho de arte literária fantástico.
Depois de matutar um pouco fui entendendo o final, associando-o à enigmática frase do padre: "...de volta aos trilhos o descarrilado trem, o seu, reponha."
Construção sintática da mais criativa.
Desnecessário falar mais do conto do Airton Sampaio.
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