domingo, 30 de dezembro de 2012

DE DENTRO DOS OLHOS DO LOBO AZUL


Quando dei por mim eu tinha uma coluna vertebral ereta, me apoiava sobre duas patas e dava os primeiros passos. Nunca mais seria o mesmo de antes.
Meus dedos (ou serão meus olhos?), a julgar pelo cheiro que exalam, parecem que ainda estão afundados dentro de ti.  
Seja tolerante comigo, é quase certo que logo mais já não sentirás o cheiro de enxofre quando espetar minhas veias.  Eu só preciso de um tempo.  Antes que me arranquem o coração. Exatamente o que querem de mim. Olhando o nível de oxigênio, começo a refletir: deveria mesmo ter atravessado a rua?
É como o poeta, que certa vez disse: ”o corvo pensa no fígado, devora a solidão”.
Meu repto ao poeta: o corvo pensa no coração, mas é o cérebro o que ele devora.
Não sei se chego lá, não sei.  Aquele trem, o vagão ficou mais distante. E não sinto meus pés. Como naquele sonho da infância distante. Na carroceria do caminhão. Lotado. Era festa. Muita gente. De repente, caio. Ninguém percebe. O caminhão contorna a curva. Grito.  Ninguém ouve. Eu me esgarço. Ninguém vê.  O caminhão segue. A vida segue.  Minha própria voz (ou seria minha dor?) me ensurdece. Tento me levantar, e percebo que não tenho mais minhas pernas. Não vejo o sangue. Apenas estou no chão, e o mundo desce sobre mim, sem dó. E não são apenas quatro.
E esse céu, e essa nuvem blanca?
Será apenas uma passagem ou serei eu que não estou morto Campos de Carvalho?
Seja tolerante comigo. Já-já te deixo em paz. Amanhã, talvez, com certeza.
Não sei.
Olhando bem, percebo que ainda tenho a coluna vertebral ereta e é com as pernas sobre as quais me apoio que darei meus últimos passos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Grite mais alto.