Quando dei por mim eu tinha uma
coluna vertebral ereta, me apoiava sobre duas patas e dava os primeiros passos.
Nunca mais seria o mesmo de antes.
Meus dedos (ou serão meus
olhos?), a julgar pelo cheiro que exalam, parecem que ainda estão afundados
dentro de ti.
Seja tolerante comigo, é quase
certo que logo mais já não sentirás o cheiro de enxofre quando espetar minhas
veias. Eu só preciso de um tempo. Antes que me arranquem o coração. Exatamente
o que querem de mim. Olhando o nível de oxigênio, começo a refletir: deveria
mesmo ter atravessado a rua?
É como o poeta, que certa vez
disse: ”o corvo pensa no fígado, devora a solidão”.
Meu repto ao poeta: o corvo
pensa no coração, mas é o cérebro o que ele devora.
Não sei se chego lá, não
sei. Aquele trem, o vagão ficou mais
distante. E não sinto meus pés. Como naquele sonho da infância distante. Na
carroceria do caminhão. Lotado. Era festa. Muita gente. De repente, caio.
Ninguém percebe. O caminhão contorna a curva. Grito. Ninguém ouve. Eu me esgarço. Ninguém vê. O caminhão segue. A vida segue. Minha própria voz (ou seria minha dor?) me
ensurdece. Tento me levantar, e percebo que não tenho mais minhas pernas. Não
vejo o sangue. Apenas estou no chão, e o mundo desce sobre mim, sem dó. E não
são apenas quatro.
E esse céu, e essa nuvem blanca?
Será apenas uma passagem ou
serei eu que não estou morto Campos de Carvalho?
Seja tolerante comigo. Já-já te
deixo em paz. Amanhã, talvez, com certeza.
Não sei.
Olhando bem, percebo que ainda
tenho a coluna vertebral ereta e é com as pernas sobre as quais me apoio que
darei meus últimos passos.
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