A irmã via tv, pensava no galã das oito e sonhava com o mundo encantado das celebridades, algo distante da periferia e da miséria em que vivia mergulhada. Certa noite, saiu para um passeio inocente e, numa esquina qualquer, um maníaco a estrangulou.
Diante do vídeo, choraram a morte da irmã.
A mãe via tv e fazia mantas de crochê pra complementar a renda familiar. Durante os comerciais sonhava com o futuro do filho. Continuou a fazer crochê diante da tv, até que o corpo encurvou-se, os dedos enrijeceram, a respiração parou. Não pode ver o grande homem em que se transformou o filho que, com vocação para o entretenimento, diariamente engolia fogo e querosene nos sinais de trânsitos da zona leste.
Diante do vídeo, choraram a morte da mãe.
O pai via tv e sonhava com a aposentadoria por invalidez. Depois de uma longa luta desigual, o coração não resistiu à burocracia da previdência social.
Diante do vídeo, chorou a morte do pai.
Ele via tv. Perdera a irmã, a mãe, o pai, mas ainda lhe restava a tv. Sentindo-se só, resolveu se casar. Acabou desistindo. A renda irregular e o hálito de querosene não recomendavam tal ousadia. Resolveu entregar-se totalmente à tv. Uma idéia estranha começou a verrumar-lhe o juízo: porque não se casar com a própria tv? Afinal, ela nunca o deixara só. A idéia amadureceu, virou decisão. Foi ao Cartório mais próximo e manifestou seu desejo. Diante do inusitado, o Escrivão o encaminhou ao meritíssimo que, de plano, repeliu a idéia.
Desolado, pensou em fazer uma loucura, mas acabou por concluir que não há nada mais deprimente do que um defunto sem choro. Veio-lhe então a solução: pegou a nota fiscal da tv e escreveu com a esferográfica: Certidão de Casamento.
Passaram a viver juntos, sem grandes conflitos domésticos, uma vida plena de lances emocionais: hoje o patrãozinho distribuindo dinheiro no auditório, amanhã aquele apresentador falando baboseiras dominicais, ali outro anunciando mais uma paternidade duvidosa. Um dia, nunca mais retornou aos sinais de trânsito, os poucos amigos o abandonaram, os vizinhos começaram a apresentar inusitada agressividade. Mas a tv mantinha-se fiel, pronta, solícita. É certo que, uma vez que outra, mais por culpa da companhia de energia, saía do ar. Convencia-se de que a companheira estava naqueles dias. Dormia mais cedo.
Tempos depois percebeu que estava cego. Uma onda de desespero invadiu-lhe a vida. Restava, ainda, a possibilidade de ouvir o inconfundível som da tv. E foi exatamente numa dessas carícias mais prolongadas que se deu a triste descoberta, razão da tragédia que se anunciava: os cupins devoravam impiedosamente a parceira.
Diante do inexorável, finalmente se decidiu. Armou-se de um pé-de-cabra e de uma faca de cozinha. Num golpe certeiro, espatifou a tv e, nem sequer um gemido, cortou a garganta. Ninguém presenciou a cena, rápida, precisa, sem cortes. Mas a tv ainda emitiu um som rouco e ininteligível, talvez choro.
Diante do vídeo, choraram a morte da irmã.
A mãe via tv e fazia mantas de crochê pra complementar a renda familiar. Durante os comerciais sonhava com o futuro do filho. Continuou a fazer crochê diante da tv, até que o corpo encurvou-se, os dedos enrijeceram, a respiração parou. Não pode ver o grande homem em que se transformou o filho que, com vocação para o entretenimento, diariamente engolia fogo e querosene nos sinais de trânsitos da zona leste.
Diante do vídeo, choraram a morte da mãe.
O pai via tv e sonhava com a aposentadoria por invalidez. Depois de uma longa luta desigual, o coração não resistiu à burocracia da previdência social.
Diante do vídeo, chorou a morte do pai.
Ele via tv. Perdera a irmã, a mãe, o pai, mas ainda lhe restava a tv. Sentindo-se só, resolveu se casar. Acabou desistindo. A renda irregular e o hálito de querosene não recomendavam tal ousadia. Resolveu entregar-se totalmente à tv. Uma idéia estranha começou a verrumar-lhe o juízo: porque não se casar com a própria tv? Afinal, ela nunca o deixara só. A idéia amadureceu, virou decisão. Foi ao Cartório mais próximo e manifestou seu desejo. Diante do inusitado, o Escrivão o encaminhou ao meritíssimo que, de plano, repeliu a idéia.
Desolado, pensou em fazer uma loucura, mas acabou por concluir que não há nada mais deprimente do que um defunto sem choro. Veio-lhe então a solução: pegou a nota fiscal da tv e escreveu com a esferográfica: Certidão de Casamento.
Passaram a viver juntos, sem grandes conflitos domésticos, uma vida plena de lances emocionais: hoje o patrãozinho distribuindo dinheiro no auditório, amanhã aquele apresentador falando baboseiras dominicais, ali outro anunciando mais uma paternidade duvidosa. Um dia, nunca mais retornou aos sinais de trânsito, os poucos amigos o abandonaram, os vizinhos começaram a apresentar inusitada agressividade. Mas a tv mantinha-se fiel, pronta, solícita. É certo que, uma vez que outra, mais por culpa da companhia de energia, saía do ar. Convencia-se de que a companheira estava naqueles dias. Dormia mais cedo.
Tempos depois percebeu que estava cego. Uma onda de desespero invadiu-lhe a vida. Restava, ainda, a possibilidade de ouvir o inconfundível som da tv. E foi exatamente numa dessas carícias mais prolongadas que se deu a triste descoberta, razão da tragédia que se anunciava: os cupins devoravam impiedosamente a parceira.
Diante do inexorável, finalmente se decidiu. Armou-se de um pé-de-cabra e de uma faca de cozinha. Num golpe certeiro, espatifou a tv e, nem sequer um gemido, cortou a garganta. Ninguém presenciou a cena, rápida, precisa, sem cortes. Mas a tv ainda emitiu um som rouco e ininteligível, talvez choro.
7 comentários:
Cacete! Isso sim é que é um drama urbano. Muito bom.
Aqui, da minha parte, quase me convenci que a tv é melhor do que o livro: ainda que fiques cego, podes ouvi-la! Já o livro... Vou procurar o cartório.
Abço
Cesar
Valeu Caesar!
bafo de kerosene kkkkkkkkk diferente msm ler aki dpois d ler o livor...
moral da estória: só fica sozinho quem não tem...uma boa tv!
Uau!
Difícil dizer outra coisa...
Muito interessantes seus textos.
Esse çonto, um enfoque apenas pouco mais dramático do que muitos fazem, deixar de viver para ser espectador dos fatos.
Talvez nem isso, aqui o telespectador apenas vê Tv. Mais importante do que acompanhar as histórias que passam nela, é o hábito. Uma forma de fugir da realidade.
Adorei! Quero ler mais!
Abraços
Deva
Seja bem-vinda!, Deva.
é isso que acontece quando estamos alienados.
Postar um comentário