sábado, 13 de dezembro de 2008

RE-SERTÃO

A viagem se fazia noites e dias.

- “Esta noite nunca mais”, balbuciou Serafim Vitalino.

- Ora, homem deixa de remorsos, disse Dora.

- Para lá de Currais de Pedra, apegados à Paraibuna.

- Bem pensado, é hora de chegar, engoliu o riso.

A distância parecia ter espelhos, a memória. Serafim Vitalino ouvia um assovio, melodia do luar do sertão na noite escura.

Escaramuças na caatinga, os cabras do Coronel José Pereira vingando a marca, o ultraje no retrato do pai, nos destroços da casa de fazenda.

“Meu pai, ultraje vingado”, falou o coronel por trás de anos

- Dona Maria e o seu ancestral paraibano, insinuou Dora.

- Deixa estar, memória.

A caatinga, o cangaço e os caminhos do sertão se abriam, mascaravam silêncio e travessia.

Dora ergue-se de seu silencio como se sorvesse irresoluto segredo. As marcas, o sangue, a travessia.

Serafim fluía em palavras que pareciam sair de anos.

- Durma, Serafim, disse Dora, ninando o seu sono. Homem barbado e feito.

Dora se deixava cair no sono, à deriva das horas e das lembranças.

- A caminho de Paraíbuna, prolatou a voz do pai.

- Seu Beno, homem de capricho. Dora parecia ler segredos da família.

- Escaramuças na caatinga, todo cuidado é pouco, meu filho.

- A caminho de Paraíbuna ouvia-se o clamor de olhos estios, anos sem conta.

Como se os dias parissem a memória. Estrada, a cidade e a pouca ruas. Casas de portas e janelas deslizando diante dos olhos telúricos, ávidos, curtidos de estradas e espera.

Serafim Vitalino e Dora dialogavam, às vezes silêncio, outra vezes poucas palavras. O tempo se entrelaçava às vidas e sinas na esteira de anos e sertões.

- É hora de chegar, murmurou Serafim Vitalino, os olhos miravam a tarde caindo.

- É hora, Dora deixou o murmúrio insolente, que parecia vir da avó, e o silencio rondava a noite.

Paraibuna uma miragem se escondia no cansaço. Serafim Vitalino colhia o ânimo nas falas, nas lembranças. A casa de fazenda, o curral, vaqueiros.

- Campeadores de sonhos dissimularam Dora.

- Campeadores de lembranças, idas e vindas do coronel à capital.

- Afrontas pondo fogo nas casas de inimigos.

Serafim Vitalino esperançava Paraibuna na memória, o sertão fujento, o olhar ávido e seco como o couro nos móveis esquecidos, flagelo, travessia.

De repente a madrugada e Paraibuna aos seus pés.

- Hora de chegar, Dora.

- Cavalgaremos nossas lembranças, Serafim.

- “Esta noite nunca mais”, ouvi de meu pai na rede de tucum , no alpendre. Estava cansado de campear lembranças.

Ao sol do dia a Paraibuna, a fazenda, o moinho, cenas perdidas no tempo. Pedaços de sertão, morros, caatingas se fundiam no horizonte. Agora que dúvidas tinham dessa paisagem que se exauria com rugir do tempo.

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