sexta-feira, 17 de julho de 2020




CONJUNÇÃO DE SABORES

Quão felizes foram as mãos meio bobas e desorientadas; de tão mergulhados, os olhos perdidamente atentos eram pura aflição de véspera; igual as narinas que, atraídas pelo fêmeo odor, fumegavam e condensavam o ar já rarefeito, só mesmo a boca com os lábios aquecidos – ou seriam ardentes? – que, em vão, tentavam escapar do mar de saliva em que se afogavam; depois que o último véu desceu ao chão, deixando-a do jeito que veio ao mundo, todos eles, sem faltar um, percorreram as translúcidas extensões, subiram e desceram montanhas, contornaram escarpas, percorreram o vale fértil onde cresciam as gramíneas e sentiram o frescor dos primeiros pendões roçando a pele azeitada, até que, enfim, antes que os ouvidos anunciassem o murmúrio da correnteza que descia lisa pela cordilheira, se alojaram nas reentrâncias, onde repousaram por alguns instantes, como se pudessem escapar da combustão; crentes que isso era impossível, iniciaram uma marcha estradeira e adentraram; costeados pelas mucosas escorregadias, penetraram fundo na caverna úmida e entreaberta e que se alargava a cada passagem; era a prenunciação do anel de fogo prestes a expelir a lava ardente.

É por essas e por outras que, hoje, refletindo sobre aqueles acontecimentos, depois de uma  benfazeja distância temporal, julgo não ser equivocado dizer que, como tantas, foi uma conjunção de sabores e saberes, verdadeiro sacramento no sentido de confirmação da coisa mesma, de algo enquanto algo, pura redenção dos justos e dos abençoados ao som de sete trombetas celestiais, ao qual se seguiu um leve desfalecimento. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente, bela descrição.