Sonhava que era um temível
caçador de tigres quando o telefone tocou. Era ela dizendo que acordara daquele
jeito: apaixonada, mas logo que surgissem os primeiros fios de sol voltaria a
odiá-lo. Antes de dizer palavra, a ligação foi bruscamente interrompida.
Enquanto escovava os dentes e conferia o tom cinza que avançava rapidamente,
refletiu e chegou à conclusão de que o mundo se divide entre dois tipos de
mulheres: as que odeiam à noite e as que amanhecem mais apaixonadas do que
nunca. Ou seria o contrário?
Com o ar de enfado, afastou os
pensamentos vãos e desabafou: melhor e mais simples seria que a escolha pudesse
ser feita entre as que usam máquina zero ou cultivam uma mata atlântica. Ou
entre as que oscilam entre as montanhas gerais e um bolero de Ravel no final de
uma tarde na praia, ali onde estamos mais perto de nossos ancestrais. Eu sou
um pouco de cada uma e todas que existem dentro de mim te amam, mas isso só
aumenta o ódio que sinto por isso, diria ela.
Constatou então que o mundo
também se divide em dois tipos de homens: o primeiro é formado por aqueles que se internam num hospício, no segundo estão os que entram para um mosteiro de uma ordem religiosa qualquer e, por acaso, descobrem a fórmula do queijo gorgonzola.
Contudo,
resolveu que não seria vítima dos mesmos dualismos metafísicos. Haveria de ter
um terceiro tipo. Lembrou-se do sonho e foi picado pelo aguilhão rimbaudiano.
Tomou uma decisão. Iria desfazer-se de tudo e partiria numa viagem
sem volta, que duraria mil e uma noites, até o sul da África onde, jogado no
meio das savanas e armado até os dentes, viveria borgianamente a
sonhar com tigres, punhais e labirintos.
Um comentário:
Adoooooorei!
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