O pai vive de agiotagem que, dizem aqui, é um ilícito penal, muito
embora ainda esteja por nascer aquele que, desse lado ocidental e cristão, será
condenado por crime de usura. Os pequenos funcionários públicos são a clientela
preferencial. O barnabé nunca amortiza a dívida, pois quase sempre é convencido
a pagar somente os juros extorsivos. O capital de giro, não deposita em banco,
guarda-o num cofre, cujo segredo é guardado a sete chaves. Não faz
supermercado, vai à feira do bairro, onde compra somente o que pode consumir no
dia a dia, para não estragar, justifica. Certa vez, para diminuir as despesas,
tentou vender um dos netos, órfão de pai e mãe, mas, como a oferta não foi do
tipo irrecusável, desistiu. Temente a Deus, por suas obras, arrependeu-se do
gesto. Ainda assim, se penitencia. Com uma inabalável estoicidade, diariamente,
ora pelo retorno do neto que, ao saber de sua intenção, tomou destino ignorado
e hoje vive no desterro. Casado há mais de 40 anos. Há vinte dorme na casa da
amante, mas faz questão de tomar o café da manhã em família, a quem dedica
integralmente o final de semana, quando então, marido e mulher dormem no mesmo
quarto, ela na cama, ele na rede. Dos 11 filhos, as mulheres são a maioria.
Casadas, separadas, amasiadas, uma delas indisposta. Netos a perder de vista,
que, em vão, lhe esvaziam os bolsos à procura de um níquel, porque as filhas,
ainda hoje, se aninham com a numerosa prole na casa do patriarca. A mãe costuma
dizer que carrega uma cruz, o filho caçula. Alcoólatra, esquizofrênico e
viciado em anfetaminas. A cunhada, eterna solteirona, testemunha cotidiana
daquela avareza, além de ressentida por razões que nunca publicou, sempre
pergunta pra que é que ele forma tanto patrimônio, ajunta tanto dinheiro, se
não gasta, e nada disso vai levar pra debaixo do chão. Pros filhos brigarem
entre si, quando ele morrer, diz a esposa resignada com a sorte. A cruz, nos
raros momentos de sobriedade, alardeia: na hora em que ele fechar os olhos, a
primeira coisa que eu vou fazer é arrombar aquele cofre e botar o dinheiro todo
na goela!
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