Ao contista J. L.
Rocha do Nascimento
"Não é por que sei
que ela não virá que não vejo a porta já se abrindo"
Meu mundo ficaria
completo (com você), por Nando Reis
A
princípio, bêbado, o peso do mundo sobre sua cabeça, enquanto na cama, o
torpor, e a evocação de Helena. Chamou-a até dormir. E teve a impressão de que
ela viera, em sonho. Linda, estava como da última vez que a vira. Pareceu-lhe
que reatada a linha do tempo, abruptamente interrompida com o sumiço de Helena.
Ou tudo teria sido realidade? Sentia o sabor do batom que Helena costumava
usar. O costado da mão convenceu-lhe do sonho.
Então,
no dia seguinte, um amigo deu-lhe notícia de Helena. Estava na cidade, para
casar com um colombiano de nome Pablo. Disfarçou o desapontamento, dizendo que
agora ela cantaria boleros em espanhol impecável. O jornal, atirado pelo amigo,
foi duro golpe. Ali estava ela, feliz. Foi para casa, e ouviu La Puerta repetidamente,
ignorando brados de vizinhos, impassível, absorto na imagem daqueles olhos
felizes e amendoados. E naquele dia não dormiu propositadamente, para sonhar
com Helena, que esteve presente com ele a noite toda, revirando a cama e
queimando lençóis, e, ao sol parir, aflautando canções de Chico, como
costumeiramente fazia nas manhãs, depois de noites báquicas.
Então,
escreveu: “Não dormi. Helena também não.”
Não
procurou Helena. Nada, nada mesmo, tinha a lhe falar. Disse a si mesmo: estava
morta. Evitou os jornais por uns dias. Debruçou-se sobre o projeto pendente,
por horas a fio, todos os dias, varando a noite frente ao Autocad. E a vida
seguiu seu curso, com mudanças de estações e com Maria, Rosângela, Eliza, Ana,
Alice, Sônia, Edna, Lindalva, Carol, Sueli, Jaqueline, Luciana, Luíza, Teresa,
Marta e...
Bêbado,
em uma noite, lembrou-se de Helena. Evocou-a até adormecer. E Helena veio. Com
ela, a chuva. Viram-na lavar a janela, e desenharam desejos no frio do vidro.
Da varanda, viram, enublado, o rio, e dele não exalava a fedorentina de sempre.
A cidade acordava quando ela foi embora. Viu sua imagem desfazer-se no canto do
quarto, com a certeza de que sonhara. Depois, adormeceu com o cheiro de sexo
emanando de seu corpo. Acordou pelos toques do telefone. Tarcísio, excitado,
perguntou-lhe se já tinha visto o jornal. Não, respondeu. Então, soube que
Helena estava na cidade, com o marido e a filha, Maria. Agradeceu ao amigo.
Sonolento, mas praguejando por ter sido acordado para uma notícia que já sabia,
pegou os jornais. Todos anunciavam a estadia de Helena na cidade. A mãe,
doente, interrompera a administração da família em próspero comércio. Brincou
com a situação. Disse que lamentava não ter sido poeta romântico, e morrer,
depois de contrair a mycobacterium tuberculosis, apaixonado.
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