Como anda a capacidade de
perdoar? Sim, eu O desafiei, o que foi compreendido e interpretado como uma
ofensa. E aí, porque não pôde se conter, revelou-se a face cruel e vingativa. Foi
há tanto tempo atrás. Mesmo assim, Tua ira não se aplaca. Não é exatamente o
peso que aflige. O que esgarça a alma, o que atormenta, é o fato de, a cada
recomeço, ter que relembrar a triste existência. Nisso, tenho que reconhecer,
Você foi perfeito. Tivesse arrancado a memória ou a capacidade de
compreender os sentidos, a história já teria tido sim um desfecho definitivo.
Cansei-me, essa é a verdade, se é que há uma além daquela absoluta. E hoje, sobretudo hoje, acordei com um ar de
enfado que, acredito, jamais encontrará outro que o rivalize. Chega. Pra que carregar o fardo até o topo, se,
antecipadamente, já sei que sempre terei que voltar ao ponto de partida? Se a
cada retorno, mais um degrau na escala da degradação humana foi acrescentado? Se, no final das contas, nada, mas nada mesmo,
faz sentido. Sem falar que aqui, deste lado ocidental, tudo não passa de um faz-de-conta,
quando não é uma comédia. Essa a realidade presente, a mesma de ontem, a que se
repetirá. Afinal, porque resistimos? Todo esse esforço, desde sempre, atende uma
única razão prática: manter-se vivo, estar-aí,
ainda que o custo, altíssimo, no meu caso, seja a perda da dignidade. Terá
valido a pena? De que adianta, se no derradeiro dia o encontro que vimos
adiando será inevitável? Tudo é inútil.
E na parte de cima das coisas inúteis nem é necessário dizer quem está à frente.
Sejamos realistas. Já nascemos
condenados à morte, alguém já disse, meio que filosofando. Recuso-me a partir de agora. Quero a finitude
de volta. Cheguei ao limite. Aqui eu paro. Vou descer. Mas antes que me
esqueça, obrigo-me a dizer: nada me tira da cabeça a ideia de que Você Falhou. Eis
aqui a prova quase morta disso. Que Hermes tenha piedade e me entregue
nas mãos de Hades.
domingo, 30 de setembro de 2012
A REDENÇÃO DE SÍSIFO
(esta é
uma obra de ficção e, portanto, não resolve o problema do paradigma do
fundamento sem fundo)
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
O MATADOR
Aquele que tentara se matar, o
primeiro. Puro altruísmo. A revolta do n.º 1, quando se viu no leito do
hospital, sensibilizou-o. Também a
sedação que lhe foi administrada, apesar dos aparelhos indicarem vida, ganhou,
nele, a feição de morto, como se o destino para ele traçado se
encerrasse naquele dia. Sim, atenderia
ao desejo do moribundo antes de ir pra casa.
O moço que lhe trouxera, inconsciente, apenas
deixou-o no hospital. Saiu murmurando filho
da puta repetidas vezes. Durante o dia ninguém o visitou. Afora esbravejar
por lhe frustrarem o suicídio, o desgraçado silenciou-se; mesmo quando perguntado se queria que alguém
fosse avisado. O sorriso de desdém, quando momentaneamente parou de se debater na cama tentando livrar-se das cintas que
o prendiam, era mais claro do que um não irredarguível. Imaginava, então, que, em sua visita noturna,
ele estaria sozinho, como, parece, sempre esteve.
O apartamento em penumbra: a iluminação da
rua, acanhada, visitava o suicida como um tênue fio de vida. Mas bastante para
encaminhar-se até o infeliz e manusear o scalp,
esvaziando em sua veia, rapidamente, todo o ar contido na seringa. Pronto. Satisfeito, logo mais, o desejo do paciente.
Aquele que tentara se matar, o primeiro.segunda-feira, 3 de setembro de 2012
ATO FALHO
Sozinho, demais, no apê. Trancou a porta da cozinha. Fechou o
basculante. Pôs algodões nas frestas. Ligou o gás. Deitou, de bruços, no chão.
Surpreendeu-se numa cama de hospital. Doutor, quem teria sido o merda que...
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