sábado, 29 de agosto de 2009

MR. MARLBORO II - A RECAÍDA

Vou renascer dessas cinzas, murmurou, pensando em Fênix.
Antes vou dar mais uma tragada, disse resoluto, fazendo pouco caso do mar de cinzas à sua volta. Não é que se arrependera. Mas tava se lixando. Afinal, tudo não passava de uma comédia. Se é que faz tanto mal assim porque não proíbem logo a venda?

Mas como? Tentou se levantar, não conseguiu. Estava reduzido à cabeça, tórax e membros superiores, que estavam necrosados. Olhou-se no espelho. Não conseguia ver nada além daquilo a que ficara reduzido. Não havia mesmo como se reacender, já que não passava de um tronco.

Só havia uma saída. Torcer para que soprasse um vento forte. Com a ajuda, se impulsionaria até rolar pela sarjeta abaixo. Dali para a praça onde os mendigos costumam lutar contra o frio seria questão de minutos. Quem sabe um deles não se apiedasse. Mas havia um risco. Antes de chegar ao destino final, poderia ser esmagado por um sapato de um transeunte apressado ou de um antitabagista radical.

Quando veio o vento da madrugada, resolveu arriscar. E rolou até alcançar a porta da rua. Com mais alguns impulsos e o vento favorável, escorregou pelas valas, desceu ruas, subiu calçadas, desviou-se de um ciclista maluco, chegou enfim à praça e estacionou aos pés de um banco. Agora era aguardar o momento certo.

Perto dali, um velho mendigo, carregando às costas o apurado do dia, lentamente, se dirigia à praça e fazia figa para que sua cama não estivesse ocupada por nenhum concorrente. Acabara de tomar, por caridade do gerente, um cafezinho no bar da esquina. Pena que, freqüentado somente por não fumantes, nem deu pra descolar um cigarrinho, um toco que fosse.

Uma bagana era o que lhe faltava para fechar a noite, além de ajudar a enfrentar o frio.

Por isso mesmo quase não acreditou quando ao chegar à praça percebeu que encostado aos pés do velho banco havia uma ponta. Quando percebeu que não se tratava de uma miragem, abriu um sorriso e friccionou as mãos, ansioso.

Com muito esforço, agachou-se e apanhou-o com uma das mãos. Ainda está morno, vibrou. Foi apagado recentemente e esse é dos bons, é de doutor.

Segundos depois, ele tentava se equilibrar entre os lábios murchos e trêmulos do mendigo.

No início, quase que pulou fora. Mas quando o mendigo o reacendeu e seus pulmões foram invadidos pela primeira nuvem de fumaça, ele meio que esqueceu o hálito insuportável do velho.